Em breve fará 3 meses que atravesso a Estrada de (S. Domingos) Benfica, praticamente todos os dias, de lés lés. Tenho tempo e gosto disso. Gosto de não poder vê-la, só, através do autocarro, de manhã quando vou a caminho do trabalho. Estes passeios têm-me permitido olhar para a freguesia com atenção e constato que o que me liga a ela são as memórias dos meu trinta e muitos anos. Sempre morei aqui, com um intervalo de quase uma década em que vivi nos Alpes. Ontem e hoje cometi uma loucura e afastei-me da estrada principal para ir passear pelas ruas perpendiculares e paralelas. Vi varias coisas, boas e mas, coisas que podiam estar melhores e outras piores. O que me saltou à vista, porque não estou a andar a pé sozinha, trago um carrinho de bébé comigo, é a quantidade de carros em cima do passeio, das passadeiras, das zebras… a policia municipal se viesse dar um giro diariamente ajudava a pagar a divida mais depressa. É o não respeito pelas distancias de passagem de uma cadeira de rodas ou de carrinhos de crianças, são os buracos, os cocos, os passeios, os tags, os prédios sujos, os comércios de portas fechadas, as casas mais bonitas abandonadas… é um bairro envelhecido, as pastelarias estão cheias de velhinhos. Esta bem, são eles que vemos mais porque estão na reforma e podem passear e ir aos cafés, mas não se vêem jovens e há muitos que moram por aqui, mas não fazem vida no bairro.
Eu gosto do bairro porque é residencial, calmo, apesar de ter ouvido, recentemente, alguns relatos de historias menos felizes. Gosto da historia de Benfica, gosto desta proximidade com o pulmão da cidade, e tenho esperança. Esperança que a junta de freguesia dê conta do recado e que este presidente (já que o da republica e o seu desgoverno nao têm essa ambição) um dia queira erguer uma estatua sua, alta, a olhar para a S. Domingos e para a sua obra… sim, pensava nisto eu no outro dia no alto do Parque Eduardo VII quando olhava para o Marquês… e lembrava-me ainda de uma frase que ouvi há tempos na televisão francesa "il n'y a plus de grands hommes", já ninguém quer ficar para a historia, literalmente. Que me desculpe o leitor por este devio. Volto ja à freguesia. Gosto do Bairro do Calhau; Gosto dos azulejos ao pé da rua de S. Domingos de Benfica. Gosto daquela taberna de esquina. Gosto do atendimento do Arabesco. Gosto do sol do "Café do Mercado". Gosto do prédios com entrada para um patio na Rua Candido Figueiredo. Gosto dos nossos alfarrabistas. Gosto de acenar às pessoas que têm estabelecimentos comerciais e que me conhecem desde pequenina. Gosto da esplanada da Conchita. Gosto das delicias de morango do Califa. Gosto do Beau Séjour. Gosto da casa que em tempos foi um laboratorio e que esta abandonada. Gosto da Rua Augusto Pina, cheia de arvores, com sol. Gosto do centro comercial Fonte Nova e da selecção dos cinemas. E gosto de muitas mais coisas.
S. Domingos não é uma freguesia bonita. Não fosse a historia e algumas coisas que conseguiram conservar-se podíamos pensar que estávamos na Amadora. Os prédios são escuros e cheios de varandas que numa certa década davam jeito às famílias que precisavam de espaço, entre elas a minha. Não ocorre a ninguém por vasos nas janelas com flores. Porque será?
Mas tenho visto pequeninas melhorias, por exemplo, medidas para impedir que os carros estacionem nos espaços dedicados aos peões. Um autocarro que faz a um percurso na freguesia. Algumas animaçoes mais abertas a outros publicos, mas a nivel cultural vê-se muito pouca coisa. Precisavamos de mais animação nas ruas, precisávamos de sitios simpáticos e diferentes para sair um pouco à noite ou ao fim-de-semana, mais regras de conservação dos prédios, de compromissos de prazos de entregas de obras, para não deixarem mamarrachos abandonados a fazer sombra às ruas. Precisamos de quem ouça os munícipes mas sobretudo de quem vá ao encontro deles, de quem seja apaixonado e de quem saiba desembaraçar-se de burocracias para que as coisas aconteçam.
Gostava de acreditar que estamos a caminho