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01/07/12

Uma Cena Infantil no Palácio Marquês da Fronteira e Alorna

Com 4 anos de idade, o Marquês de Fronteira e Alorna empreende uma viagem de Benfica ao Palácio de Mafra para ser apresentado ao futuro rei D.João VI



excerto do artigo de Rogério Fernandes, Notes About Children´s , publicado na revista
Educação e Pesquisa, São Paulo, v 26, nº1 p 87-97, Jan-Jun 2000

(adaptação livre do texto para português de Portugal )


" A narrativa auto-biográfica, do mesmo modo que outros ego-documentos, constitue uma das fontes mais ricas para a reconstrução histórica do passado infantil dos adultos. Perante os silêncios sem história das crianças que somos, é preciso recorrer às memórias vivas das crianças que fomos.
A infância do Marquês de Fronteira e d’Alorna parece ter deixado traços muito vivos na sua memória. Nascido em 1802, ficou órfão quando estava prestes a completar cinco anos. Sendo impossível entregar a sua tutela à avó materna, a Condessa d’Oyenhausen, futura Marquesa de Alorna, pelo facto de se encontrar exilada em Inglaterra, receberia esse encargo um dos seus tios, o Marquês de Belas. Este, recorda o Marquês de Fronteira e de Alorna, graças às influências de que dispunha no Príncipe Regente, o futuro D. João VI, consegue que "eu, seu pupilo primogénito, fosse agraciado com os títulos da casa de meus antepassados, bens da Coroa e direitos banais que a mesma desfrutava, os quais rendiam para cima de 14 000$000 r [éi]s. por ano" (Alorna, 1926, p.6).Para tanto, era necessário que a criança, apesar de ter menos de cinco anos, se dirigisse a Mafra e fosse apresentada a Sua Alteza. Depois dessa formalidade, todos os direitos ficavam reconhecidos e os Fronteira e Alorna podiam continuar a beneficiar sem sobressaltos da sua considerável fortuna.
O que vai ser essa deslocação a Mafra a partir do palácio de Benfica onde o jovem órfão vivia, assim como a própria cerimónia de que seria protagonista, é descrito pelo Marquês com um admirável senso de discreto humor. Em primeiro lugar, a evocação do veículo e da ocupação do seu espaço interno, de que seguramente a parte menos cómoda era a que cabia ao herdeiro primogénito dessa grande casa:
Saí de noite de Benfica, meio a dormir, em uma sege, acompanhado por um íntimo amigo de meu Pai (…) e por Mr. Fabre, meu guarda-roupa, emigrado francês.
A jornada, segundo as minhas reminiscências, não foi das mais cómodas. A sege, uma das mais antigas de meu Pai e talvez de meu Avô, feita naturalmente de propósito para estas viagens, era estreita e não oferecia outra vantagem, além da sua solidez, para resistir aos baldões dos péssimos caminhos (…).
Os meus companheiros ocupavam uma boa parte do veículo, não só porque eram bem fornecidos de carnes, mas porque iam embuçados em grandes capotes; e o resto ia por tal forma cheio com as condeças e sacos com a minha toilette de Corte e com as grandes latas de gulodices que o velho copeiro de meu Pai (…) para ali tinha metido, que pouco espaço ficava para me assentar, indo por isso quase sempre no colo de um deles
.
Se as condições no habitáculo eram já de si mesmas altamente incómodas para a criança, esta situação negativa agravava-se pela velocidade a que se conduzia o veículo. Ela tornava-se tanto mais perigosa quanto eram eivados de perigos os desvios e inclinações da estrada, designadamente na ladeira de Cheleiros, ainda hoje caracterizada por uma encosta muito acentuada. Assim recorda o Marquês de Fronteira e de Alorna, não sem alguma imprecisão, o acidente ocorrido durante a viagem:
Naquela época era moda o viajar a toda a brida e, embora os amos quisessem o contrário, os bolieiros não obedeciam: o cavalo da sela conservava-se sempre a galope, enquanto o das varas ia a trote rasgado. Nestas viagens a Mafra aconteciam muitas vezes desgraças terríveis. Na descida de Cheleiros caiu-me o cavalo das varas, escapando eu por milagre de sair pela sege fora, e ficar talvez morto. Este acontecimento atrasou alguma coisa a jornada e não me lembra o meio de que se serviram para a podermos continuar.
Uma vez em Mafra, é recebido com todo o desvelo pelos empregados da Casa Real, que guardavam excelente memória de seu Pai e lamentavam a sua morte prematura. Mas os direitos psicológicos da criança, por assim dizer, recuperam o seu lugar e logo a partir desse momento fazem-se ouvir sem mais inibições:
Logo que cheguei, entrei a gritar pelas criadas que tinha deixado em Benfica e, apesar dos esforços que empregavam e promessas que me faziam, não podiam socegar-me.
Os adultos iniciam então uma estratégia de sedução da criança, a fim de a persuadirem a aceitar as convenções do lugar:
Levaram-me ao colo para o quarto de outro tio que residia na Corte e era então Ministro dos Negócios Estrangeiros (…) e aí, depois de grandes promessas, presentes de bonitos e muito doce, conseguiram despir-me o fato de viagem, um pouco original (pois era um chapéu cinzento com grande laço azul e encarnado, um baju verde com alamares de oiro, grandes folhos caídos na camisa, calções de veludilho preto com grandes laços brancos caídos, meias cor de carne, e sapatos com laços brancos) e vestiram-me à Corte.
A parte mais trabalhosa do serviço coube naturalmente a Monsieur Fabre, o francês exilado que ganhava a vida como guarda-roupa do pequeno Marquês. Ele próprio o confessa ao escrever:
Foi isto negócio difícil para o meu guarda-roupa, porque, tendo eu o cabelo comprido e anelado, e sendo preciso pôr uma cabeleira empoada e de rabicho, não como a do grande Marquês de Pombal, mas do mesmo género, ainda que em miniatura, eu, a quem ela incomodava, queria a todos os momentos tirá-la, correndo assim o risco de se perder o trabalho que o cabeleireiro tivera em Benfica para arranjar aquela obra.
O infantil rebelava-se, pois, contra o convencionalismo dos adultos, incapazes de medir as distâncias entre os dois universos em presença. Tal rebelião manifestava-se em todas as oportunidades:
A muito custo conseguiram acomodar-me. Vestiram-me uma camisa com grandes punhos e bofes de renda de França, um pescocinho branco apertado por uma fivela de aço, uns calções de veludo preto com fivelas de aço e laços pretos, meias de seda branca, sapatos pretos com grandes saltos encarnados e abotoadura de madrepérola, espadim com copos de aço, e chapéu elástico de plumas brancas.
Assim vestida e armada, a criança com menos de cinco anos entrava no mundo da ficção adulta sem que pudesse, nessa época, descodificá-la. Ele próprio o confessa ao revelar como galgava de um ápice até ao topo a escadaria das hierarquias nobiliárquicas:
Nunca fui ao Paço sem espada, porque nunca fui Moço Fidalgo, tendo gozado, desde a idade de cinco anos, as honras de Grande do Reino.
Havia, no entanto, que consumar a cerimónia de iniciação que no Paço de Mafra se representava. À distância dos anos, o Marquês de Fronteira evoca-a com um sentimento irónico, na sucessão de terrores em que ela se constituiu:
Conduzido por meu tutor e tios, encaminhei-me para a sala de recepção do Príncipe Regente, sendo acompanhado pelos meus dois companheiros de jornada até onde a etiqueta da Corte lhes permitia, mas, apenas os perdi de vista, desatei num berreiro de choro, sem querer seguir por diante, gritando por meu irmão de quem nunca me tinha separado, e por Mr. Fabre, meu guarda roupa. Logo que avistei S. A., tremi de medo, tal foi a impressão que me causou a sua fealdade, mas, conhecendo quase todos os que o cercavam, porque ou eram meus parentes ou amigos de meu Pai, tranquilisei-me.
A cena vai atingir o seu vértice cómico e equívoco, precisamente no acto seguinte, rememorado nestes termos:
Sua Alteza costumava fazer sempre a mesma pergunta às crianças que, na minha posição, lhe eram apresentadas, e era ela: Para que lhe serve a espada que traz à cinta? Meu tio tinha-me ensinado a resposta que eu, à força de me ser repetida, decorei, e, quando S. A., segundo a etiqueta, me fez a pergunta, respondi de pronto: Para defender a V. A.! O Príncipe nem para mim olhou, e estou hoje convencido de que nem ouviu a minha resposta.
Logo que respondi, gritei por Mr. Fabre, e S.A., persuadindo-se de que eu tinha levado comigo um frade, disse para meu tio: Chamem o Frade! Meu tio disse-lhe que era pelo meu guarda-roupa que eu chamava e que não era frade.
Esta atmosfera burlesca envolve a cena capital em que a criança, travestida de adulto e transportada para um mundo adulto mas fictício, recupera os direitos à sua própria infantilidade. "

15/06/10

Palácio Fronteira



Regresso então ao Palácio Fronteira. Desta vez para uma visita. É um dia de sol e por isso, de acordo com a sugestão de um dos senhores que lá trabalha, é um óptimo dia para visitar os jardins. Paro na Conchita para beber um café (gosto de rituais) e atravesso na passadeira aéria. A tranquilidade do outro lado da linha conforta-me.




Entro no Palácio olho para a esquerda e tudo é de um verde resplandescente. Compro o meu bilhete, quero a visita integral e não apenas os jardins. Dou uma volta pela loja e compro uns postais. No átrio há mais pessoas à espera, todas estrangeiras. Pergunto em que língua será feita a visita e o senhor diz-me que em principio seria em francês, mas que se eu fizer questão será em português. Digo que não me importo que seja em francês e sorrio enquanto penso que mudei de país mas não mudou a língua. A visita começa na casa, subimos e entramos na Biblioteca, a assoalhada que mais me agradou. Tem uma janela grande e uma belíssima vista sobre o jardim. Visitamos o resto da casa, a Sala das Batalhas, também muito interessante, é forrada de azulejos que contam histórias. Mas tenho pressa de ir ver o resto do jardim.


Enquanto esperava que a visita começasse fui rapidamente espreitar e já não me apetecia sair de lá. A visita da casa chega ao fim e abre-se uma porta que nos permite aceder ao jardim... ao magnifico jardim. Penso em como é possivel ter vivido ali tantos anos sem conhecer aquele lugar. Apetece-me fotografar tudo, as cores são lindíssimas, os azulejos magnifícos, há pormenores a não perder.























Mesas e cadeiras em ferro forjado, e com estofo azul para combinar com as paredes do jardim... e com o céu... Olho para o pormenor do cinzeiro e naquele momento apetece-me ser fumadora.



Os cortinados são brancos, imaculados... Branco, verde, azul, cinzento... As estatuas tornam aquele lugar misterioso e cheio de sensualidade.



Vou passeando por ali, no labirinto dos jardins. Olho para o jardim de um lado, depois de outro e vejo sempre coisas diferentes... mas vejo sobretudo muitos prédios ao fundo... é São Domingos de Benfica... o primeiro Marquês da Fronteira nunca imaginou que a vista do Palacio um dia seria assim...




Acabo a visita no painel da Paula Rego. Penso nesta manhã cheia de inspiração e penso que terei que voltar... e que os leitores do Mercado que não conhecem gostarão muito de lá ir.






10/03/10

Tardes de Leitura


Gostava realmente de ter tempo suficiente para poder participar em grupos de leitura; ler os livros antecipadamente para depois discutir e partilhar ideias com quem tinha feito o mesmo. Também fico contente que existam pólos culturais em Benfica com iniciativas de qualidade. Por isso, o meu dia começou bem quando, na Antena 2, divulgaram o grupo de leitura que a partir de hoje e nas próximas quartas-feiras vai ter lugar no Palácio Fronteira, tendo como tema central o teatro português do século XX. Aqui fica o programa:

10.03.2010 - "Mar" de Miguel Torga, por Clara Rocha.
24.03.2010 - "D. João e a Máscara" de António Patrício, por Fátima Freiras Morna.
07.04.2010 - "O Doido e a Morte" de Raul Brandão, por Maria João Reynaud.
21.04.2010 - "O Judeu" de Bernardo Santareno, por Maria João Almeida.
05.05.2010 - "A Palavra é de Oiro" de Augusto Abelaira, por Paula Morão
19.05.2010 - "Paixão Segundo Max" de José Maria Vieira Mendes, por José Maria Vieira Mendes.

Local: Palácio Fronteira, Largo São Domingos de Benfica, 1 - 1500-554 Lisboa.
Informações: Tel: 217784599 (assuntos culturais) Fax: 217780357. Email: fcfa-cultura@netcabo.pt


E é de aproveitar para (re)visitar este fantástico palácio!

Na imagem: fotografia da biblioteca do Palácio Fronteira, por Candida Höfer.

10/02/10

Passeando de autocarro...


Lembro-me do tempo em que a carreira 72 apareceu. Na altura não se sabia muito bem qual era o seu destino. Parece-me que chegava ao início da Estrada de Benfica, virava logo à esquerda e ía pela Rua Conde Almoster fora. Como eu raramente ía para aqueles lados, a não ser, anos antes, quando passava as tardes em casa da minha amiga Maria João, não percebia bem a utilidade do percurso. O 72 tinha estação terminal (e inicial) ao pé do 16C, autocarr(ito) que esperavamos pacientemente depois de acabaram as aulas na D. Pedro V. O 16C era daqueles autocarros pequenos... os mais pequeninos de todos com muito poucos lugares. Como viviamos quase todos para o mesmo lado, a nossa turma ficava “ensardinhada” logo no inicio do percurso.

Na paragem do Jardim Zoologico saía a Maria João, na paragem a seguir a Lucinda e a Alexandra, no Arabesco o Nuno Tiago, na paragem do Jardim do campo de Basket saía eu, a Paula e a Cristina (que ia a pé até ao Bairro Grandela para almoçar em casa da avó). Depois o 16C virava no sinal à direita e ia por ali acima. Passava pela Delfim Santos e na paragem a seguir descia o Gonçalo. No Califa descia o Vitor que ficava ali e a Sónia apanhava outro autocarro até ao Cemitério de Benfica. O 16C continuava até ao Bairro de Santa Cruz e ai desciam o Zé, a Inês e a Rosa, que ainda ia a pé até ao Bairro das Pedralvas.

Entretanto, deram sumiço ao 16C e para nossa grande indignação o 72 continuou a “rolar”. Hoje, vejo pela fotografia, o 72 transformou-se no 70 que se tornou um autocarro de “grande gabarito”, talvez devido à importância do percurso e afluência... e a carreira até aparece assinalada no guia de viagem francês “le guide du routard”, onde o Palácio Fronteira é visita vivamente recomendada.

Esta fotografia, de autoria de Pedro Almeida, é emprestada ao blog Diario do Tripulante (sem pedido, mas com a devida menção de autoria- se o autor não estiver de acordo, retira-la-ei) onde ha um simpático texto sobre a carreira 70 que liga a Serafina, o Monsanto e Sete Rios.

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06/03/08

Palácio Fronteira

Quantas vezes passei por aqui sem saber que era o Palácio Fronteira ou Palácio dos Marqueses de Fronteira... aos fins-de-semana lá íamos nós Serra do Monsanto acima em direcção ao Parque do Alvito, o parque com os baloiços que voavam mais alto... nos dias que antecediam as férias grandes e na "rentrée" era um alarido à porta do Palácio, centenas de carros, pais e crianças, abraços, beijos e lágrimas... e eu pensava que aqui era a casa dos "pupilos do exército", aqueles rapazes sempre muito direitinhos de farda cinzenta e chapéu...
Há pouco tempo atrás recebi um mail com a informação de um debate que teria lugar precisamente neste Palácio e foi aí que comecei a olhar para ele com outros olhos... e mais tarde, no livro de José Cardoso Pires fiquei surpreendida de ver São Domingos de Benfica naquelas páginas... ele dizia assim...

"Longe, noutra Lisboa, São Domingos de Benfica, existe um bestiário-mistério guardado em palácio há mais de trezentos anos.
Está envolvido em jardins e floresta na base da Serra do Monsanto e tem um aval de marqueses ilustrados a dar-lhes majestade. Palácio Fronteira, eis o lugar. Como arquitectura, peça única: vem em capítulo maior nos tratados dos mestres e vale pelo deslumbramento com que foi concebido. Como pousada de arte, maior previlégio ainda porque a ousadia e o mito ressaltam por toda a p
arte em figuras de beleza classica ou em monstros de escárnio e de excumunhão. Pressente-se uma diabólica aliança do sagrado com o profano a conduzir o nosso olhar, estamos, não há dávida, num lugar prodigioso para conceber um bestiário perverso e dar-lhe morada eterna.

in Lisboa livro de bordo, José Cardoso Pires, Publicações Dom Quixote

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