Era a casa do "americano", como diziam os meus avós.
E ainda hoje me lembro de um senhor de idade, olhos azuis translúcidos e uma pele muito alva, que, normalmente, se vestia sempre de cores muito claras.
A casa ficava encastrada entre os logradouros das traseiras da Rua Cláudio Nunes e uma quinta imensa a perder de vista, cujos portões de ferro se abriam na rua principal com "campaínhas"-flores roxas a adornarem-no.
Em criança passava horas a fio, à janela dos meus avós, a contemplar a "casa do americano", o seu jardim e o tanque repleto de água.
Até que durante um desses momentos de contemplação, deparo-me com a triste cena de um gato a tombar dentro do tanque, enquanto tentava saltar em voo rasante para apanhar um pardalito...
Já nessa altura, aos 5 anos, se fazia sentir a minha paixão por animais (em particular por gatos), pelo que o meu avô se viu obrigado a acompanhar-me para ir bater à porta da Dª. Ana (a esposa do "americano"), para que retirasse o pobre animal de dentro de água.
Em contrapartida, a paixão da Dª. Ana não eram propriamente os animais, mas viu-se constrangida a ir buscar uma pá com uma rede na ponta para aceder ao pedido da miúda que, zelosamente, a continuava a observar da janela do 1º andar em frente.
Alguns anos mais tarde, a Dª. Ana viria a falecer.
Os seus descendentes apenas se interessaram em dar continuidade à loja de pratas que o "americano" abrira na Rua Cláudio Nunes.
E a sua casa ali foi ficando, votada ao abandono e esquecimento.
Com o passar dos anos, a quinta dos portões de ferro desapareceu e, em substituição, nos seus terrenos foi construída uma longa fileira de prédios altos e modernos, criando uma rua a que viriam a dar o nome de Jorge Barradas.
E a "casa do americano", o jardim e o tanque ficaram ainda mais entrincheirados no esquecimento pelas grossas paredes das garagens daqueles prédios modernos.
Hoje em dia, quando vou a casa dos meus avós, não consigo resistir a abrir a janela da varanda da cozinha... para, mais uma vez, contemplar aquela que foi a casa do "americano"
12 comentários:
Quando fui morar para o 1.º andar da Claudio Nunes, na casa do "americano" morava uma senhora de idade, baixinha, sempre vestida de preto e apoiada à sua bengala. Gostava muito de crianças, lembro-me que assim que eu chegava à janela lá estava ela a dizer-me adeus.
O tanque de água, hoje um depósito de lixo, tinha nessa altura belos peixes vermelhos que não me cansava de ver.
O "americano", que esteve longos anos emigrado na América, regressou e nada voltou a ser como antes...
Belo texto Alexa:)
Gostei de te ler.
Cecília: agora que falas nisso, parece-me que também ainda me recordo vagamente dessa senhora sempre vestida de preto.
Mas porque é que nada voltou a ser como dantes, com o regresso do "americano"?
Bjs
T. - Muito obrigada!
É engraçado porque pensava não ter memórias dos meus 3 aos 6 anos e, afinal de contas, ao escrever sobre Benfica, tenho relembrado uma série de coisas (que pensava esquecidas).
Os mecanismos do nosso cérebro são mesmo muito interessantes!
Bjs
Alexa ,fez -me recuar no tempo e recordar os Domingos que passava na mata de Benfica com os meus Pais e um grande farnel ,tenho 58 anos e lembro-me de na Estarda de Benfica existirem muitos Palacetes ,será que ainda lá estão ?
Abraço e parabéns pelo seu blog
Carlota Joaquina
Carlota Joaquina: muito obrigada pelo seu comentário e bem vinda aqui ao nosso Mercado!
Infelizmente, já poucos são os palacetes e casas apalaçadas que existem na Estrada de Benfica... :(
Em todo o caso, existem ainda a Vila Ana e Vila Ventura, 2 casas lindíssimas (apesar de pouco conservadas), sobre as quais falei neste meu outro blog:
http://parolesimages.blogspot.com/2008/01/notas-soltas-ci.html
Um dia destes terão destaque aqui no Mercado ;)
Um abraço e volte sempre
alexa: o pai do "americano" adorava a sua quintinha. Passava horas a cuidar das árvores de fruto, do feijão verde... a água do tanque estava sempre muito limpinha e os peixes vermelhos tão bem tratados que até pareciam carapaus (na minha imaginação de miuda pequena). Adoeceu e faleceu uns meses depois, e foi nessa altura que o filho regressou. Tomou conta da herança muito entusiasmado, mas uns anos mais tarde a mulher também faleceu e a quinta foi votada ao abandono.
A D. Ana foi a segunda mulher do "americano".
Cecília: muito obrigada pela precisão que as tuas memórias (mais antigas que as minhas) trouxeram a este texto!
Provavelmente, os descendentes do "americano" eram como ele e só se interessavam pelas pratas, em detrimento da quinta.
É pena!...
que bom ler tantas recordações e tão diferentes... é engraçado, também costumo dizer que não tenho muitas recordações de alguns períodos da minha vida, mas afinal, às vezes perante certas situações, lugares ou pessoas acabo por ter sensações e imagens que pensava não ter...
... na minha rua também há a casa do "padre", aliás, foi a única casa mesmo que se manteve lá na rua... não sabemos se ainda é o famoso "padre" que lá vive, mas para mim e para o meu irmão (e talvez para muitas outras pessoas) ainda é a casa do "padre"...
(mais ma foto para lista)... isto está pobrezinho de fotos aqui para estes lados ;)
bjs para todas...
será o mercado de bemfica um blog de mulheres? afinal, em tempos só nós é que íamos ao mercado ;)
J. - é muito estranho isso das recordações de infância... cada vez penso mais sobre o assunto, desde que criámos este blog!
Engraçado como determinadas casas ficam, assim, associadas a certas pessoas que as habitaram... talvez, devido ao carisma das mesmas.
P.S. - Não te preocupes quanto a isso por aí andar parco em fotos... quando cá vieres tiras a barriguinha de misérias ;)
pois é alexa, também tenho pensado mais nisso desde que temos o nosso mercado... mas assim que me lembro de um post ou de uma fotografia, vem logo uma história com ela e as recordações surgem tão naturalmente...
e é verdade, quando for a lisboa vou fotografar tudo! entretanto já arranjei fotografo, tenho que lhe enviar a minha lista de coisas a fotografar, mas aquelas fotografias de momento não vou poder fazer...
bjs
J. - parabéns por já teres arranjado fotógrafo-suplente ;)
Estou a ver que com 2 listas (as nossas) tão extensas de fotos a tirar, ainda me cruzo por aí com o teu fotógrafo :)
Bjs
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