26/01/10

O Califa é ali em baixo


Descobri que Benfica era mais do que o nome do clube pelo qual o meu pai torcia quando tinha para aí uns 7 ou 8 anos. Nessa altura fazia inúmeras vezes a viagem entre a casa dos meus pais, a minha casa, e a dos meus avós, que moravam em Queluz, num Fiat 124, daqueles quadrados como os desenhos da escola, branco ...frigorífico, lindo. A segunda circular terminava ali para os lados do Fonte Nova e nós saíamos sempre antes, em direcção ao Colégio Militar, Pontinha, Vendas Novas e Amadora, até ao destino. Mais tarde o percurso alterou-se e nós seguíamos em frente, passávamos pelo estádio, pelo viaduto do centro comercial e depois havia uma descida que passava por debaixo da linha do comboio, subia, curva e contra curvas até uns semáforos. Lembro-me destes semáforos porque de vez em quando havia fila e no pára arranca o carro ia abaixo, devido à inclinação.

Num desses almoços de domingo, em casa dos meus avós, o meu avô anunciou que ia voltar a correr, agora não em pista mas em estrada, que tinha uma prova daí a não sei quantos dias ali para os lados do Califa. Surpresa, o meu avô corria? Para além das corridinhas na praia, no
verão, nunca o tinha visto sequer mostrar interesse pela coisa. Parece que afinal, quando era mais novo, tinha sido atleta de velocidade do Atlético, com propostas para outros clubes de mais prestigio, mas que o amor à camisola o obrigaram a declinar. Havia fotos e tudo a comprovar o feito, em que parecia voar, os pés sem tocar no chão, muito magro, com cabelo e sem bigode e algumas medalhas. E o Califa o que era? Um café ali em Benfica. Benfica? Mas isso não é um clube? Eu cá sou do Belenenses... Na viagem de regresso a casa o meu pai explicou-me o que era Benfica, estás a ver estes prédios aqui, e apontava com a mão direita para o lado do Fonte Nova e para o outro, o Califa é ali em baixo. Espreitei mas não vi, estiquei o pescoço e nada. Era inverno e apesar de ser cedo já estava escuro. Lembro-me dos prédios e das janelas com luz, em que se podia ver o interior das casas ou parte delas, um cortinado aberto, uma nesga da cozinha, um móvel da sala. Durante muito tempo para mim Benfica passou a ser também isto, uma estrada, prédios para os quais se podia espreitar, um café que não podia ver.

Só entrei na pastelaria Califa, e não café como me tinham ensinado, muitos anos mais tarde, já o meu avô tinha na sala uma vitrina cheia de novas medalhas, taças, salvas e pequenos troféus em loiça, já a segunda circular estava completa e ligava à estrada de Sintra. Não me demorei muito e depois disso só mais umas duas ou três vezes. Entretanto casei-me em Benfica e só não moro lá por um acaso. O meu avô foi correr para outras estradas e a pastelaria entrou em obras, e reabriu. Ainda há dias em que não a posso ver, problema meu com certeza.

Post gentilmente oferecido pelo
Nuno Cruz ao Mercado de Bem-Fica aqui e aqui

1 comentário:

J. disse...

belissima historia nuno!

é verdade que "antigamente" o califa era mais conhecido por café do que por pastelaria. e sempre foi uma referência ao nivel da pastelaria mas também um ponto de referência geografico "onde é que fica" "para os lados do califa! ;)

fotografia com a "nova cara" do califa ;) tenho que passar por la para ver se as tartelettes de chantilly continuam deliciosas!