15/08/11

"Volta a Portugal em caricas"-brincadeiras de outros tempos

Nas férias de Verão da minha infância lisboeta, a malta do Largo, à estrada de Benfica, organizava uma brincadeira que conhecia a adesão de muitos de nós, quando se aproximava a Volta em Portugal em bicicleta.
Contávamos com um material que era um verdadeiro manancial, diremos nós agora, de reutilização : as caricas.Podiam ser da "Laranjina C", do "Vitasumo", da gasosa "Areeiro" , do "Sumol" , da "Sagres", da cerveja "Cuca", da "Canada Dry", da água de Carvalhelhos; fáceis de arranjar , no chão da esplanada da leitaria do srº Manel, ou noutro local qualquer. Procuravam-se as menos amolgadas pelo abre latas, para poderem deslizar melhor quando impelidas pelo piparote que lhes eram dadas pelos nossos dedos.
Escolhíamos seis ou sete caricas que se iriam juntar a mais 60, para deslizarem e tentarem manter-se a cada caricada, em cima de um banco de pedra com cerca de um metro de altura e 12 m de perímetro, forma irregular mas mais ou menos quadrangular, que circundava um canteiro com uma arvore de médio porte no interior. Para poderem cumprir a sua função na brincadeira, as caricas precisavam de ganhar peso e estabilidade e de serem identificadas, era o que fazíamos na fase de preparação . Primeiro cortávamos no topo as tampas de plástico que vedavam as garrafas de vinho de mesa, que pareciam pequenos chapéus e que tinham várias cores. Em seguida, aplicava-se a referida tampa de plástico por cima da carica, encaixava na perfeição e vedava. Depois, aplicava-se plasticina no espaço entre a borda da carica e a tampa.Para identificarmos as caricas, recortávamos dos cromos ( haviam colecções de cromos de ciclistas),a cabeça do corredor pretendido em redondo e aplicávamo-lo por dentro da carica (visível devido ao corte no topo da tampa), completando a identificação com o nome individual e o da equipa recortado de um jornal e colado com fita cola à tampa de plástico ou incrustada na plasticina. "Francisco Valada", "Peixoto Alves", "Joaquim Agostinho", "Fernando Mendes "," João Roque", "Leonel Miranda", "Américo Alves", "António Acúrsio", compunham o pelotão para esta Volta a Portugal “ sui – generis”. A brincadeira era organizada, havia várias etapas, umas mais longas outras mais curtas ( quer dizer, menos ou mais voltas ao banco quadrangular), com calendário, às vezes uma etapa de manhã outra à tarde, com prémio da montanha , prémio Laranjina C e Metas Volantes, nas quatro curvas do perímetro do circuito. Imaginemos 60 caricas em competição... A primeira a cair, não voltava à pista e era classificada na etapa com 60, a outra a seguir com 59, a primeira a cortar a meta com 1. Registava-se tudo etapa a etapa, faziam -se os somatórios. Entretínhamo-nos. Com competição à mistura.
Quando um de nós, dos mais habilidosos dava uma boa caricada e punha a sua à frente, ui !!! os outros não resistiam a comentários de atribuição causal do tipo " Tu tens é uma "g`anda latosa" ...!" ( referente a vaca leiteira; no "zodíaco" daqueles anos 60, era prognóstico de tipo claramente bafejado pela sorte ). As crianças são cruéis, lembro-me bem por isso que esse sortudo, que era o mais corpulento de nós e por isso justamente alcunhada por "Bomba" mais ternamente por "Bombita"numa caricada mais arriscada, desequilibrou-se para trás de mal sentado e só o vimos a fazer o pino que quase se matava. Enfim não foi nada de grave. Eu não tinha muito jeito, normalmente cabia-me a equipa do Tavira ou do Sangalhos, do meio da tabela,naquele tempo. Mas estas "Voltas a Portugal" eram memoráveis.

foto das caricas, retirada do blog http://coleccaodecaricas.blogspot.com
foto "Ases do Ciclismoretirada do blog http://cromos-de-caramelos.blogspot.com/2006/07/17-cromos-de-ciclistas.html"

4 comentários:

David disse...

Tantas vezes joguei á carica no local da foto(Largo conde Bonfim).A descrição está correctissíma.Os meus parabéns.

Xávi disse...

Obrigado pelas suas palavras. Decerto que nos cruzámos por lá, nesse tempo e naquele lugar... Um Abraço!

J. disse...

brincar parecia tão facil :) com imaginação e pouca coisa passava-se uma tarde a brincar :)

Xávi disse...

Nestes anos 60 do séc. XX, muitas brincadeiras faziam-se com materiais que estavam à disposição de todos; para além das caricas, os tubos brancos de electricidade, restos das obras, transformavam-se em zarabatanas que davam para soprar pequenas " maças" dos arbustos do jardim em brincadeiras mais bélicas até os torrões dos canteiros revoltos pelos jardineiros eram arremessados contra os outros enquanto nos escondíamos atràs das "trincheiras" improvisadas dos bancos de jardim, não sei como não nos matávamos, pequenos selvagens.