Ontem em conversa com uma amiga lá da rua a propósito da relação entre uma caneta bic e uma cassete vieram-me à ideia uma catrefada de recordações. Ora, não sei vocês, mas para mim, aquela imagem de rebobinar as cassetes com as canetas bic é tremenda. Tardes inteiras a querer ouvir as mesmas músicas e o rebobinador a não funcionar e nós ali de caneta enfiada a andar para trás com a fita... santa paciência! E como lembrou ela, muito bem, a desencravar a fita que por vezes se enrolava na cabeça do leitor e ficava em acordeão e lá se ía a música. Lembro-me disto na Rua Montepio Geral, em tardes tórridas do mês de agosto. Nessa época em que as férias demoravam 3 meses, em que nos deliciavamos com os gelados de água e corantes da Olá no Pastelinho, em que o “dedo” custava doze e quinhentos. Era o tempo em que lá na rua todos os miúdos tinham alcunhas, era o kikas, o galinhas, o gordo, o caixa d’óculos, o puto estupido e tantas outras que já não me lembro.
No calor e no silêncio desses dias, ouviam-se músicas aos berros das janelas escancaradas, cheirava a sardinhas, os miúdos íam bater à porta a pedir uma moedinha para o santo antonio e la iamos outra vez para o pastelinho comer gelados ou para a mercearia do senhor ferreira comprar os doces da berra. Andavamos de bicicleta até os nossos pais virem gritar por nós à janela, jogavamos ao lencinho à noite, ou íamos para casa uns dos outros. À tarde ora passavamos o tempo a ligar para o Agora Escolha para ver as nossas séries preferidas ora ligavamos para casa das pessoas a dizer coisas do genero: estou, é de casa do sr. leão? É para dizer que vamos entregar a jaula”. Havia a mercearia da Dona Helena, a mercearia da Dona Nia e do Sr. Augusto, o talho do Pedro, a padaria da Dona Deolinda que depois passou a ser da Dona Inês, a loja dos estores, os carrinhos da ligier, o estofador, as duas oficinas. Havia o Lord que era o pastor alemão do dono de uma das oficinas e que se atirava para cima de mim e da minha vizinha do 2° andar quando a cadela dela, a Nani, estava com o cio. Nós inventavamos as mais variadíssimas coisas para ele não vir atrás de nós e assim nasceu a lenga lenga “São Romão, São Romão entre mim e o cão” que dita duas vezes de seguida era suposto exercer um feitiço sobre o Lord e ele deveria dar meia volta e não nos chatear. Que boas recordações estas da Rua Montepio Geral e que orgulho em ter vivido na década de 80. Hoje em dia, quando regresso a casa, ainda me cruzo com alguns vizinhos que na altura eram os meus amigos da rua e cruzo-me com os amigos do meu irmão que ainda pertencem a esses tempos das alcunhas. Aqueles que eram “os putos lá da rua” cresceram e muitos continuam a viver ou a ir lá regularmente. Este ano, disseram-me que muitos dos que casaram e foram viver para outros lugares acabaram por regressar à Montepio Geral, como se houvesse ali um sentimento de aconchego...
8 comentários:
Olá J.
Com este post regressei a São Domingos de Benfica através da viagem guiada ao micro-cosmos da Rua do Montepio Geral, nesses anos 80. Cruzámo-nos concerteza sem nos conhecer no Pastelinho quando ias aos gelados e eu à bica de depois de almoço ou ao bitoque. Mas da Rua do Montepio Geral dos meados dos anos 70, guardo a imagem de dois irmãos físicamente parecidos, não sei se gémeos, que tinham um estabelecinmento de venda de móveis ou estofadores, os irmãos Vieira; duas figuras com estilo muito pop,na estética da década de 70, bigode generoso, cabeleiras fartas e cuidadas, camisas abertas de colarinhos pontiagudos, roupa de cores vivas, de sapatos de tacão alto, não posso jurar que não esteja a ser traído pela memória, e deslocando-se Rua Inácio de Sousa acima numa carrinha tipo Ford Transit na azáfama do seu negócio naqueles dinâmicos, exuberantes e excessivos anos.
sim xavi,
certamente nos cruzamos pelo pastelinho ;)
tenho pena de não me lembrar desses dois personagens que eram os irmãos vieira vestidos à 70's nos 80's :)
Eram os estores Armilar, se não me engano, e por volta de 77 tinham lá um cão muito simpático - o "feliz" - que eu insistia em levar para casa por mais que a minha mãe dissesse que ele tinha pulgas :D
cumps, vizinhos ou ex-vizinhos
ola messidor,
nao me lembro do "feliz", em 77 so tinha um ano, mas morava mesmo ao lado dos estores :)
se tiver historias ou fotografias dessa altura, nao hesite em envia-las. publicaremos com todo o gosto e com os devidos créditos :)
Olá a todos,
Lembro-me dos irmãos Vieira, não na R. do Montepio Geral, mas na Cecília Meireles, onde um dos irmãos ainda têm uma grande loja de móveis. Já não me recordo do estilo Pop dos manos, mas posso jurar que, por debaixo do aspecto convencional e recatado dos senhores hoje-em-dia, ainda há alguma rebeldia. :) A confirmar esta minha impressão, visitem a montra da loja na Cecília Meireles em plena época de Natal. Têm um suuper presépio, com todas as figurinhas e também "aquela", nada convencional e muito irreverente. Adivinham?
Cristina Basilio
Sem dúvida que passarei um destes dias pela Cecília Meireles para espreitar a montra da loja dos móveis Vieira com comércio e alguma rebeldia na Cecília Meireles ... Imagino o super presépio com um daqueles bonecos do Zé Povinho a fazer o manguito aos poderosos.
Incrível.... eu também morei nesta rua nos meus primeiros 17 anos de vida, e que belas recordações que este post me trouxe.
Até me lembrei dos Santos Populares, quando a rua se dividia em 2, cada parte com a sua festa, onde se reuniam os vizinhos, cada um levava algo para o jantar de santo-antónio, decorava-se a rua com bandeirinhas e nós, putos, saltávamos a fogueira... Que tempos tão bons!
entao fomos vizinhas, carla! :)
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