12/03/10

Memórias da Rua Inácio de Sousa


Parece que há por aqui muitos revivalistas e eu sou uma delas. Tantas coisas para contar sobre esta rua, mas uma história só, nunca seria suficiente. O que esta rua me faz imediatamente lembrar é a Samira, claro, o meu ponto de referência na Inácio de Sousa. Muitas tardes de Verão e fins-de-semana em... casa dela, tardes de férias (quando ainda duravam três meses) de gelados, chocolates, pastilhas e coca-colas no Sr. Ferreira tudo por conta do avô dela (ou na conta do avô dela) que um dia descobriu e se zangou “a sério”... a sério a sério não, porque era um senhor demasiado simpático para se zangar muito... e por isso, as compras continuaram, em menor quantidade e mais discretamente... tempos depois soubemos que vinha uma prima da Samira, e vimos chegar a Hélia, direitinha de Cabo Verde. A Hélia chegou e foi como se estivesse sempre estado ali. Passavamos os dias a passear na rua para cá e para lá, íamos encontrando a vizinhança, adoptamos a entrada de uma porta e encontramos ali uma espécie de assento para as nossas tardes. O lugar que escolhemos era estratégico para cruzarmos certas pessoas, como o rapaz que trabalhava na loja dos móveis. Não muito longe dali passava muita gente doida, a “maluca” dos óculos escuros (que quando houve o incêndio do Pastelinho, foi à CEBE pedir dinheiro para ajudar), o “Ramalho” com o seu carrinho de cartões, que por vezes falava sozinho outras vezes falavas com as árvores, mas falava muito alto e se estava num dia mau, insultava as pessoas na rua. O rapaz de cabelos compridos e do pacote de vinho na mão, Estrada de Benfica acima e abaixo. Quando eram horas de voltar para casa fechavamo-nos no quarto da Samira com a janelinha lá em cima, a conversar e ouvir música, e quando a casa estava mais vazia experimentavamos a roupa da Vanda, na salinha pequena, ao lado da sala de jantar e tiravamos fotografias... e nos últimos anos, a varanda tornou-se o nosso lugar preferido... já não me lembro exactamente em que momento é que isso aconteceu e como ficamos a saber. Talvez um dia tenhamos ido à janela e tenhamos tido uma espécie de miragem. Do outro lado da rua, três simpaticos rapazes (é o menos que se pode dizer) vindos de Sines para estudar em Lisboa, foram ocupar um apartamento mesmo em frente à janela onde passavamos muitas tardes e foi nesse dia que as contas do Sr. Ferreira começaram certamente a ser mais moderadas, porque o nosso lugar preferido era então a dita varanda azul. Passamos mesmo muito tempo a olhar para o outro lado, a observar os dias daqueles rapazes, penso que não tinham cortinados. Um dia um deles veio fumar à janela e, a partir desse dia, deixaram de ser uma vizinhança platónica...

1 comentário:

Marta G. disse...

Que memórias fantásticas e que belo texto! Também tenho memórias assim, mas não de Benfica. Quanto a rapazes de Sines, sei o que isso é: "casei" com um!