12/06/10

Paraíso

Paraíso é  um nome muito engraçado associado a anjos, branco, nuvens, música suave, vozes doces e pausadas, mas a Paraíso que vos quero falar é  do género feminino, associada a pessoas, relativamente escura, onde pairam nuvens de fumo, se ouve o relato da bola e se fala alto e alterado.




 Quero falar-vos da Pastelaria Paraíso, em Benfica. 

PARAÍSO I 
A Pastelaria Paraíso, como eu a conheci, já não repartia o espaço com a mercearia com o mesmo nome e dono, o Sr. Madureira. Já todo o espaço era para serviço de pastelaria e café. Claro que uma área, a da direita para quem entrava (suponho que a da anterior mercearia), era ocupada por um balcão vitrina corrido paralelo à parede poente. Este balcão terminava num área de serviço, em que um comprido rasgo na parede nos permitia ter contacto visual com a cozinha e fabrico dos bolos.  
Esta zona era separada do salão de café, propriamente dito, por um conjunto de vitrinas altas de vidro preenchidas e recheadas de variadíssimas coisas doces e achocolatadas.
Quem entrava de dia na Pastelaria Paraíso tinha de primeiro se habituar à contrastante e fraca luminosidade do interior. Por outro lado, quem do interior espreitava os transeuntes na Estrada de Benfica dificilmente lhes identificava a cara, ofuscada pelo intenso reflexo da luz do dia, no branco da pedra da Igreja de N. Sr.ª do Amparo, que trespassava os vidros de toda a fachada do estabelecimento. 
Associo os meus primeiros passos soltos dentro desta tão maravilhosa casa á pretensa e ansiosa aquisição de tira de abóbora gila cristalizada. Era vendida ao quilo. Mesmo escolhendo a mais pequena e ‘magrita’ tira, esta foi pesada e apreçada além das minhas momentâneas posses. Tentativa frustrada. De pouco tinha valido a minha pequena aventura de sair do Bairro e percorrer a Grão Vasco com as moedas que a minha bisavó me dera na distribuição feita pelos bisnetos.  
Na altura já  seriamos talvez seis irmãos, sendo que dois ainda não tinham crescido o suficiente para serem presenteados neste pequeno ritual. A minha bisavó guardava as moedas entre dois nós do lenço de assoar que não o usava como tal. Chamava-nos um a um pelo nome e quando já estavam todos os bisnetos ‘crescidos’ presentes, sentada começava por retirar o lenço do bolso dissimulado no avesso do avental, iniciava a desatar o nó mais interior do lenço, enquanto introduzia conselhos sobre como se devia usar o dinheiro que nos dava, concluindo por dizer:
- Tomem lá  meus queridos netos, tenham juízo, não o gastem mal. 
Tinha de conseguir comprar a tira de abóbora gila cristalizada, pensei… já sei:
- João, e se fossemos comer uma tira de abóbora cristalizada? Podíamos comprar a meias, o que achas?  

Texto de Miguel Gil
Foto roubada do site da maravilhosa Confeitaria da Ajuda.

5 comentários:

J. disse...

que historia linda! ;)

tempos em que "empregavamos" o dinheiro em coisas que gostavamos e queriamos muito! ;)

Felicidade disse...

Outro belíssimo texto, Miguel! Tem uma vida rica de experiências maravilhosas para nos contar...Está visto que se encontram pessoas muito interessantes pelo Dias e pelo Mercado...

T disse...

Os textos do Miguel são duma extraordinária sensibilidade e inteligência. E tenho a felicidade de ser amiga dele:)

Miguel Gil disse...

Obrigado, mas estão a exagerar, contudo são confortantes os vossos comentários.
T, feliz sou eu de partilhares amizade comigo :)

Julio Amorim disse...

E eu ando há anos à procura de quem queira partilhar uma fotografia dos interiores deste café !!!!