04/09/10

O Jaime jornaleiro

Ardina, miradouro de São pedro de Alcântara
(imagem retirada daqui)


Há quarenta anos atrás existiam jornais vespertinos em Lisboa, o "Diário Popular", o "Diário de Lisboa", a "Capital"… Imaginemos os putos ardinas, carregados, a descerem a Calçada da Glória, desde lá de cima do Bairro Alto, onde eram impressos os jornais, a disputarem serem os primeiros a chegar com as notícias da tarde aos Restauradores. Não sei como é que os jornais chegavam do Bairro Alto à Estrada de Benfica mas sei que os podíamos comprar numa papelaria ao pé de mim; era o Srº Ferreira, que vendia para além dos artigos de papelaria diversos, os jornais e as revistas, os cromos, os jogos de tabuleiro para crianças, as brincadeiras de Carnaval na devida época e onde a um canto da loja uma senhora apanhava malhas de meias sob o foco de um candeeiro pequeno. Também se compravam jornais numa outra loja, perto da pastelaria "Colmeia", e mais tarde numa banca perto da cervejaria "Belmar". Mas os jornais também eram vendidos na rua, pelos jornaleiros de saco a tiracolo, a quem os quisesse comprar ou eram mesmo entregues ao domicílio; não sei se eram todos os jornaleiros que o faziam, mas um deles, um jovem de nome Jaime (sabia o seu nome ou vim a sabê-lo muito mais tarde quando "abriu" a "Fangela", papelaria e livraria de São Domingos de Benfica) fazia -o de um modo único, assim ; ao fim da tarde começávamos a ouvir o pregão " Popular...!!! " , “Olha o Lisboa …!” e aí vinha o Jaime jornaleiro pela Estrada de Benfica , em passo muito rápido a entrar no Largo Conde de Bonfim, concentrado, já a dobrar o jornal em forma de disco, objecto voador quadrangular, que arremessava em andamento, sem "show-off", para os fazer entrar nas varandas ( sem marquises à época) dos prédios dos clientes, com precisão igual quer se tratasse do terceiro andar, segundo ou primeiro . Raramente falhava . Depreendo agora que a maioria dos clientes pagariam à semana ou ao mês mas também me lembro de vizinhas entretanto assomadas à varanda a atirarem a moeda para o jornaleiro na rua. E lá ia o Jaime, no seu passo muito rápido de volta à estrada de Benfica!

Texto de João Carlos Xavier

6 comentários:

J. disse...

Bem-vindo ao Mercado de Bem-Fica, João, deste lado e do outro ;) a começar com este belissimo texto sobre um ardina chamado Sr. Jaime, conhecido por muita gente como o Sr. Jaime da Fangela ;)

Marta G. disse...

Fantástico! Não sabia que o Sr. Jaime da Fangela tinha sido jornaleiro!
Parebéns pelo texto.

Miguel Gil disse...

Ora cá está mais um belo texto no Mercado, relembrando a história curiosa das entregas porta a porta (neste caso o dos jornais vespertinos). Gostei João Carlos Xavier!

Carlos Caria disse...

Curioso como estas imagens escritas refrescam a minha memória.
Também eu fui "ardina" amador nos meus tempos de miudo ajudando a jornaleiro da terra a vender e distribuir os jornais, para ganhar uns tostões. A história mais bizarra, era às segundas feiras quando o Benfica perdia o malvado do Jorge fica em casa doente e os jornais ficavam por distribuir pois ninguém se atrevia a pegar nos mesmos.

Xávi disse...

Obrigado pelos vossos comentários e fico muito satisfeito por terem gostado do texto. Até breve!

"Plus bref" ce n'est pas "moins bon" ! disse...

O Jaime, que se bem em lembro era alto e magro e um tanto excêntrico ??? Será ?