21/10/10
Os jogadores de futebol do Benfica
Até aos primeiros anos da década de setenta, o futebol era muito central na vida dos portugueses, circunscrita que estava a sua liberdade para outros assuntos mais importantes.
O Sport Lisboa e Benfica era vencedor sem grande oposição a nível nacional. Eu, com 10 ou 11 anos, pensava muitas vezes que era "especial", beliscava-me. Como é que se poderia ter tanta sorte ? Ser do clube campeão ( tantas vezes ) no país e no estrangeiro, de ter familiares tão ligados ao futebol do clube, e de viver tão perto do Estádio da Luz?
Tinha por vezes compaixão silenciosa pelo meu tio Vilas, o único sportinguista da família, que apanhava robalos nas pescarias desportivas nas marginais dos seus tempos livres e que entristecia , manso, nas discussões familiares sobre bola.
De São Domingos a Benfica estávamos no centro futebolístico da simpatia e da paixão clubista, muitos jogadores moravam lá,
como no dia em que vi entrar na sala de aulas do externato, o Cavém, bi-campeão europeu, com o filho, e o professor a perguntar se alguém sabia o nome daquele senhor e eu a saber muito bem que ele jogava com o número dois nas costas e a fazer um brilharete respondendo sem hesitação, como a mais nada, respondi na ponta da língua na escola primária,
podíamo-nos cruzar com o extremo esquerdo Simões," o rato atómico", ao pé do Califa, ainda incrédulo a tentar explicar por gestos a um amigo, as palavras não serviam, como é que na véspera , depois de se recuperar três golos ao grande "Celtic" se perdeu ingloriamente com uma moeda ao ar,
passávamos na praça Drº Nuno Pinheiro Torres a caminho da escola e olhávamos sempre embasbacados para o SAAB, amarelo canário do Eusébio,
" Passem a bola ao preto …! " era o que eu ouvia nos momentos mais difíceis dos jogos mais decisivos, a meu lado nas bancadas, quando tudo parecia perdido, a esperança da multidão condensava-se
nos seus movimentos, como uma pantera , Eusébio da Silva Ferreira,
" Passem a bola ao preto..." era um pedido e um reconhecimento, dentro do campo só não estava em pé de igualdade com os outros porque era o melhor.
Nos "furos" da escola preparatória, eu e os meus colegas iniciámos umas escapadelas ao antigo estádio da Luz para ver os treinos do "Benfica" e aproveitávamos para pedir autógrafos aos jogadores e admirar as " máquinas" em que se transportavam . Conhecíamos bem o estádio e os portões gradeados do lado do 3º anel que aos dias de semana estavam abertos e pelos quais nos esgueirávamos infiltrando-nos dentro do estádio, raramente avistando funcionários do clube, para nos instalarmos à socapa nos camarotes a assistir aos duros mas divertidos treinos ministrados pelo treinador inglês Jimmy Hagan, e às destrezas de Néne, Jordão, José Henriques , Bento e muitos outros .
Corria tudo sem problemas, excepto no dia em que os "penetras" no treino se manifestaram com pouco recato e com menor admiração pelas execuções dos craques, assobiando e apupando, o que apanhou desprevenidos os jogadores que não se sabiam observados e que estavam num curto período de resultados menos bons. E vai daí, com tamanho "stress" profissional, o Simões, na altura um dos jogadores mais veteranos, começou a lançar imprecações na nossa direcção, que àquela distância, fazia lembrar os balões sem palavras da Banda Desenhada com bombas de pavio acesso, correntes, frascos de veneno e raios o que provocou a nossa rápida retirada. A revolta dos ídolos era coisa difícil de sustentar...
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4 comentários:
Xávi mais uma bela descrição da ‘glória’ de morarmos em Benfica e sermos benfiquistas.
Além do som dos golos audível nas nossas casas, além de podermos ver os nossos craques no estádio, havia essa particularidade de nos cruzarmos com eles na rua.
O Restaurante Penalti, actual Córsega, onde logo à entrada havia uma maqueta de um estádio de futebol, foi negócio de alguns desses jogadores, e, para nossa alegria, ponto de encontro de todos eles.
xavi,
sou de benfica mas não do benfica porque à semelhança do caso do tio Vilas não quis deixar o meu pai sozinho (nesta coisas dos clubes)la em casa! ;)
... mas gostei de saber que por benfica se passeavam estrelas do clube... por momentos pareceu-me que eram rapazes do bairro que iam treinar ao estadio da luz, como o meu irmão que mora em benfica e vai jogar à bola ao campo "ali atras"! :)
Miguel Gil , não sabia que o "Córsega" se chamou "Penalti" mas ainda hoje quando vou lá almoçar a minha mãe para combinar refere " é naquele restaurante que era do Cavém ..." que foi um dos proprietários.
J ,eram outros os tempos, antes da hiper industrialização do futebol, a maioria dos jogadores eram portugueses nascidos no continente ou em Àfrica, eram capazes de fazer carreiras profissionais completas no mesmo clube e portanto criavam "raízes" e alguns deles faziam parte da vida do bairro;
também espero que o seu comentário sobre as razões da sua filiação clubista, e que por acaso a minha filha leu, a inspire a inflectir a tendência actual dela para o Sporting. A esperança é a última a morrer!
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