05/06/10

Memórias e pastelarias













"Deste-me uma súbita vontade de comer uma delícia-de-morango, não no 'teu' Califa, mas na ‘minha’ Nilo, também em Benfica. Ambas foram dos mesmos donos, depois desavindos não sei porquê.
Lembrei-me de algo bem diferente mas que tem a ver com os bolos da Nilo.



Em Novembro de 1967 (se não foi nesta data pouco importa), na cidade de Lisboa e arredores, houve umas grandes cheias que provocaram o caos em todo o lado, incluindo a lamentável morte de pessoas nos bairros mais degradados ou de lata.
O comércio, situado sobretudo nas áreas baixas das freguesias, sofreu a entrada de água e lama nas suas instalações, inundando por completo os espaços abaixo do nível da rua, as caves.
Nos dias que se seguiram à enorme enxurrada, fez um sol maravilhoso. Quem percorria a Estrada de Benfica, no caso em apreço, via os passeios cheios de artigos encharcados e enlameados expostos em improvisados suportes de venda, separados do monte de material irreconhecível, composto por tudo o que as pás, os baldes e as mãos conseguiam tirar do interior dos espaços comerciais. A ocasião era de grande tristeza e de alguma solidariedade para com quem tinha sofrido prejuízos devido ao temporal. Assim, não parecia nada mal que estes artigos, salvos à deterioração completa na intempérie, estivessem à venda por preços manifestamente mais baixos, era negócio de ocasião, do tipo leve dez camisas pelo preço de uma só tem de as lavar. Livros molhados, mas com hipótese de ainda serem lidos, a preços incríveis.
Bom. A restauração, pastelaria, etc., usavam as caves com área produtiva. A Pastelaria Nilo confeccionava os seus bolos na cave.
Ficou-me marcado para sempre como caricato da situação que se estava a viver, e era catraio, que no dia seguinte às inundações, na Nilo havia bolos à venda, distinguidos da seguinte maneira:
Bolos de hoje; Bolos que se salvaram da inundação"
Miguel Gil

2 comentários:

Politikus disse...

Pelas bolas de Berlim e pelo Bolo Rei a Nilo, pelas natas e ceques a Califa....

J. disse...

optimo texto! ;)

os bolos foram certamente feitos nessa meia noite (meio dia de inundações, meio dia seguinte)... uma rajada de "frescura" no meio de tanto "resto" e desolação...

queremos mais textos assim, miguel! ;)